quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Dentes à mostra e pálpebras abertas

           O travesseiro não conseguiu absorver tamanha sensação de bem-estar e, teimoso como de praxe, não concedeu mais uma noite de repouso. Noctivaguei.
     Costumo dizer que as fortes emoções não se dão bem com meu leito de sono. Só pra esclarecer: não foi por uma coisa em específico, é só que o céu se limpou num súbito instante, a luz incidiu no meu caminho, e estou a sofrer de cãibras na face, por não saber parar de sorrir. Muito pouco parece suficiente pra eu ganhar o dia. 
     E se quer informação, nem eu sei bem pontuar a procedência dessa vontade demasiada de arreganhar os dentes. Talvez estourou o cano da serotonina. Talvez haja pouco tempo para dedicar a maus presságios. Pode ser que o que digo seja clichê. Certamente enxergo a necessidade de transcendência: satirizar aquilo que quer tirar sarro da gente. Coloquemos os óculos de piada!
     Quanto a você, senhora Infelicidade, fique sabendo que será em vão estender de novo suas pesadas mãos para mim. Porque tendo à leveza. Sofremos de incompatibilidade de gênios. A relação não daria certo, ok?! 
     A noite disse adeus, o dia já cumprimenta. 
    Agora  que já despejei, aqui, um pouco do verbo que transbordava em mim, vou ali tentar fazer as pazes com o travesseiro...

domingo, 28 de novembro de 2010

O trigésimo dia

Consulto a caixinha do correio, ela persiste convicta em manter-se vazia. Não poucas vezes, inunda-me a impressão de que a vida é uma festa para a qual não me enviou o convite. 
Que audácia, a dela!
Só que, por existir uma reserva de quarto para a meninice na alma, pulo o muro dos fundos e lá estou de penetra no evento. Faço-me auto convidada. O ambiente parece envolto pela inércia do excelente estado. A artilharia da oposição se mascara. E o desenrolar dos fatos acontece, como é de se supor.
Exponho-me em sinceridade. A infante grita do seu leito. Por ouvi-la em bom timbre, também ponho crédito na genuinidade de outrem. Resultado: a paradoxal sensação de contentamento e aflição no trigésimo dia. Anseio por recidiva, clareza de que há ressalvas.
Com os joelhos ainda ralados e as mãos sujas com a poeira do chão, não me reconheço uma atacante inata. A injúria não é meu objetivo. O único argumento que utilizo é a armadura desajustada. Aliás, careço também da conduta auto-explicativa. E deixo espalhado em outdoors o apreço por ele, só não vê quem não quer. 
Sussurro para aquela que grita dentro de mim: “abranda-te lá no âmago, menina, com o estado de sítio que vigora!” 
    Refugio das artilharias estrangeiras, ajusto minha armadura de proteção e me alojo em trincheiras emocionais. Explorem todo o campo da superfície - o da superficialidade -, soldados, exceto o meu terreno escavado. Reconheço-me, por enquanto, abstêmia radical e não lhes dou a alternativa para mais estragos.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Desventura sob negligência

          Falta-me, por hora, o discernimento das coisas. As traduzo por ideias próprias, intenções alheias e propósitos de ambos. Irmã das coisas fugidias é minha atual convicção de parentesco. 
     Andei de mãos dadas com a prudência, e quando a soltei de vez e abracei a certeza de ser permissiva,  me reconheci transeunte de estradas bloqueadas. 
     Lia-se na placa: "Proibida a passagem dos exaustos. Deixaste ao longo do caminho tua essência, a serenidade do íntimo e os passos sedentos. Perdeste neste novo itinerário. Andes, vás! Dês um passo atrás, para que possas talvez dar dois, três, ou até quatro à frente."
     E fui empurrada. Troquei os passos. Cambaleei no caminho de volta. Realizei que àquela imposição não caberiam parcerias. Aceitei. Não de bom agrado. Com péssimo agrado.E ,à contra-gosto, regressei naquela estrada.Com os pés descalços, as feridas se abriram. Não vou mentir, ainda doem. Mas doem sem a perspectiva da ira, tenha essa certeza.
     Reincorporei um pouco do que sempre coube a mim. Sublimei os maus presságios. Busquei paliativos.
     E se, à priori, demonstrei revolta, não pense que seja por  você ter mudado de ideia com tal rapidez, perdido a vontade ou enjoado mesmo. Metamorfose é característica inerente ao ser humano. É fato e não o contesto, admiro até. Mas tem que fazer-se metamorfosear sem ser leviano. Cativas e o é responsável por isto. Deve-se procurar sinestesia no discurso: ter tato ao verbalizar. Embora eu saiba que não o fez por má fé.
     E eu, que mal entendo de sinestesia, só quis oferecer o melhor. Dentro das minhas condições, já desgastadas, mas o tentei. E decepcionei comigo mesma, quando descobri o infortúnio da tentativa.
     Desejei a felicidade conjunta. Se foi preciso reparti-la, não quererei ficar sozinha com este bem. A compartilho e, com a  permissão, instigarei sua mitose para ambos. Se no proveito tropeçar, Duas Mãos é meu nome.
     

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Metaforicamente exponho


Falemos, pois, do medo. Daquilo que nos traz inquietação, mediante um perigo real ou imaginário. Divago trabalhadamente partindo-me da pequenez dos fatos e mergulho no Oceano (pouco) Pacífico de minha mente, cujo desassossego procede somente de um sopro, e me questiono se tal tempestade se traduziria em apenas ondas de cunho (real) Pacífico.
Remetendo a temas hidratados, será, então, perpicaz  marter-me sentada nas bordas da fonte que seja, para que molhe os pés, de modo a evitar hipotermia, afogamento ou feridas de ataque? Sabe-se que já é deficiente o elemento de Cá e, portanto, a cicatrização será letárgica. A dor perduraria.
Permita-me um devaneio: intercorrências das quais não se tem certeza de solidez.
Viver conforme a incerteza é um método que nos prega peças. Nos prega peças também, dar braçadas em todos os mares do mundo. E permanecer em águas mornas não é pouco, nem demais! Sou adepta a extremos. Às águas que transbordam. Que transbordem satisfações, ou lágrimas mesmo.
Permita-me um segundo devaneio: sou adepta à intensidade.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Há de ser remoto


         Consistente. E, atendendo (previsível e    rejeitadamente) ao seu propósito efêmero, por si só, se dissipa. Seguro por tempo cronometrado, e no segundo de distração, escorrega pelas mãos, desliza pelo chão e se perde no espaço. 
      As vistas seguem itinerantes. A estas, vai ao alcance. Sai do plano  virtual, solidifica e às mãos se deposita. Mas as mãos distorcem a moderação da força. Aprenderam a ser escorregadias, e com o propósito da compensação, incorporaram contração (in)voluntária. Não mais inteiro, não mais presente.
      O consistente consiste em sublimações. Consist en te fazer pouco entender, en te tornar vulnerável, no exato momento em que se cria resistência.  E lá vai, todo o trabalho escoa pelo ralo. Ficam para trás os escudos, e a alma, desnuda, também segue itinerante.
     Os caminhos deixam de ser a busca e tornam-se a fuga. Morde-se o calcanhar do tempo, para que corra e abandone em terrenos remotos, a desolação.